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Foto do escritorTayna Teixeira

Analise: FilmeXLivro É Assim Que Acaba.

Atualizado: há 6 horas

O livro É Assim Que Acaba (originalmente It Ends with Us), da autora Colleen Hoover, se tornou um sucesso mundial, cativando leitores com sua narrativa intensa e emocionante. Eu particularmente sou apaixonada na escrita de Colleen e um pouco suspeita para falar de suas obras mas, essa em especifico me rendeu varias reflexões, criticas e analises.


Um Breve Resumo


O livro conta a vida de Lily Bloom, uma mulher que, ao longo de sua infância e adolescência, presenciou sua mãe sendo vítima de violência doméstica, especialmente violência física. Depois de crescer e se tornar adulta, Lily se apaixona por Ryle Kincaid, um neurocirurgião, que inicialmente parece ser o príncipe encantado. Contudo, à medida que a história se desenrola, ele revela um lado violento, e Lily se vê em um relacionamento abusivo. No meio disso, há também a figura de Atlas Corrigan, um jovem sem-teto por quem Lily se apaixonou na adolescência e que, anos depois, se torna um empresário de sucesso, gerando ciúmes em Ryle. Se você ainda não conhece o final dessa história, eu não vou contar! Terá que assistir ao filme ou ler o livro para descobrir mais. Mas, alerto que aqui você encontrará um pouco de Spoiler.




Quando li o livro É Assim Que Acaba pela primeira vez, fui absorvida pela intensidade da história. O modo como Colleen Hoover descreve as emoções contraditórias de Lily, os momentos de medo misturados com amor, e a maneira como ela enfrenta seu próprio dilema entre a lógica e a emoção, são marcantes. O livro foi escrito com o objetivo claro de ajudar mulheres vítimas de violência doméstica, oferecendo uma narrativa que permite a identificação com os conflitos internos dessas vítimas. Em uma entrevista, a autora declarou que sua inspiração para a obra veio da história de sua própria mãe, que enfrentou um relacionamento abusivo por muitos anos. Hoover queria explorar o amor complicado entre Lily e Ryle e, ao mesmo tempo, proporcionar um reflexo do que sua mãe sentiu ao ter que decidir se deveria continuar com o pai de Colleen, um homem que ela amava, mas que a maltratava.


Esse objetivo de empoderamento e conscientização é o grande ponto do livro, pois oferece aos leitores não apenas uma história envolvente, mas também uma reflexão profunda sobre os ciclos de abuso e os sentimentos complexos que uma vítima enfrenta ao se ver envolvida em uma relação destrutiva.


O Filme: Expectativas vs. Realidade


Quando o filme foi lançado grandes expectativas, em mim foram criadas, especialmente por já ter lido o livro duas vezes. Sendo profissional da área de relacionamentos, com um olhar crítico e uma perspectiva terapêutica, sabia que a adaptação cinematográfica teria desafios para transmitir a complexidade emocional que a obra literária oferece. Infelizmente, senti que o filme não conseguiu capturar a mesma profundidade e impacto do livro.


Primeiramente, o filme, em minha opinião, romantizou demais a figura de Ryle. As cenas de agressão, tão intensas e traumáticas no livro, foram suavizadas no filme. E não venha me dizer que não daria pra explorar mais com a justificativa de que o filme iria ao cinema, pois a gente sabe que daria sim. Se não desse, filme de terror não virava sucesso!


No livro, conseguimos sentir a dor e o medo de Lily, principalmente durante os episódios de abuso. Já no filme, as agressões não têm o mesmo peso, e muitas vezes parecem meros “acidentes” — uma interpretação que distorce o impacto real da violência. Vi algumas discussões entre os espectadores sobre uma possível tentativa de mostrar as agressões da perspectiva de Lily, em um primeiro momento, como se ela as enxergasse de forma distorcida, e depois revelando como realmente aconteceram. Essa interpretação, embora interessante, não foi bem executada no filme e não conseguiu gerar o impacto emocional esperado.


Outro ponto negativo do filme foi a falta de transições adequadas entre as cenas. Muitos momentos de transição, que poderiam conectar melhor a evolução dos eventos e a passagem do tempo, foram deixados de lado. Essas lacunas na narrativa fizeram com que o ritmo do filme fosse apressado, e o impacto emocional das cenas importantes se perdesse um pouco. Quando a história chega ao final, não há tempo suficiente para o espectador processar tudo o que foi vivido junto com os personagens, o que fez a obra parecer bem mais superficial do que o livro, mesmo sabendo que filmes não são iguais aos livros. Eu esperei um pouco mais!


A minha maior critica ao filme foi quanto a falta da narrativa em primeira pessoa, que é um dos pilares do livro. No livro, a história é contada pela perspectiva de Lily, permitindo ao leitor entender suas motivações, suas confusões emocionais e os conflitos internos que surgem em uma relação abusiva. Isso é especialmente claro em passagens como a da página 314 quando Lily vai abrir a porta e fala: “ai meu deus o Ryle está aqui meu coração começa a golpear meu peito, sinto uma coceira no pescoço então ergo a mão sentindo a batida do meu coração contra a minha palma. Meu coração está acelerado porque eu morro de medo dele. Meu coração está acelerado porque eu sinto ódio dele. Meu coração está acelerado porque eu estava com saudades dele.” É um retrato da confusão emocional vivida por quem está em um relacionamento abusivo — o medo e o amor misturados, os sentimentos contraditórios que muitas mulheres enfrentam ao tentar entender o que está acontecendo.


Essa falta de profundidade emocional no filme é um dos motivos pelos quais ele não é tão eficaz para o público que busca identificação com a situação de violência doméstica. Para quem já passou por isso, a conexão com o filme fica superficial, e para mulheres que ainda não têm plena consciência da situação em que se encontram, o filme pode até reforçar uma visão distorcida do abusador, que acaba sendo mostrado como alguém que pode ser “consertado” pelo amor. Isso não só diminui a gravidade da violência, como pode gerar mais pena pelo abusador do que empatia pela vítima.


Sobre O Livro:


Eu sempre utilizo o livro ele como uma ferramenta em minha prática profissional, especialmente em sessões com clientes que estão vivenciando situações de abuso ou que já passaram por elas. Ele serve como uma forma de identificação, mostrando que as mulheres não estão sozinhas em sua dor. Além disso, a obra oferece uma maneira de conversar sobre temas difíceis, como os sentimentos de culpa, vergonha e medo, que muitas vezes impedem as vítimas de tomarem decisões que as libertem.


Para aqueles que têm dificuldades com a leitura, o filme pode ser uma introdução ao tema, mas é fundamental que a obra seja discutida em sessões terapêuticas. Isso permite que o terapeuta desmistifique alguns pontos e ajude a cliente a processar o conteúdo de forma mais crítica e reflexiva. Porém, se for para indicar para o público em geral, sempre prefiro sugerir o livro, pois ele oferece mais camadas de compreensão e empatia.


Embora o livro seja uma excelente ferramenta de psicoeducação, ele também é irrealista em muitos aspectos da história, o que pode gerar uma visão distorcida da realidade, principalmente no final. Na fatídica cena em que Lily decide terminar seu relacionamento com Ryle da onde surge o nome do livro “é assim que acaba” ela está sozinha no quarto, após dar à luz sua filha, de forma totalmente vulnerável e decide naquele momento que vai terminar a relação, ela e faz de uma maneira surpreendentemente tranquila e resoluta o que pode dar uma falsa esperança que sair de uma relação abusiva é totalmente tranquilo quando na verdade vemos todos os dias nos noticiários que não é bem assim!

Para a grande maioria das mulheres que estão em relações abusivas, a resolução dessa decisão não seria tão simples. No nível de possessividade e controle que Ryle demonstra, é difícil imaginar que ele simplesmente aceitasse a separação sem consequências, era capaz dele "tacar" o beber na parede só de raiva! Vamos e convenhamos não seria algo tão impossível. A realidade do abuso é muito mais complexa e perigosa, e a maneira como a história se resolve de forma quase "romântica" pode gerar uma falsa expectativa sobre como se dá o término de um relacionamento abusivo.


Outro ponto importante é que a violência no livro não se resume apenas a Ryle. O pai de Lily obviamente mesmo não à agredindo se torna violento com ela, por conta das inúmeras consequências que assistir as agressões que era feitas com a mãe acabaram lhe causando. Até Atlas, em certos momentos, agem de forma violenta, ainda que por motivos diferentes. Embora Atlas não tenha agredido Lily diretamente e saia como o mocinho da história, ele agrediu outro homem na frente dela, alegando estar a protegendo. Isso coloca em questão a ideia de que violência é aceitável se for para “proteger” alguém, e nos faz refletir sobre o ciclo de violência que muitas vezes atravessa as gerações, seja através da violência física ou emocional.

Há um momento no livro que, na minha opinião, é um dos mais importantes, mas que infelizmente ficou de fora do filme: o diálogo entre Lily e sua mãe. Quando a mãe de Lily revela que está vivendo um novo amor e que finalmente encontrou alguém que a trata bem, ela também compartilha sua experiência sobre o relacionamento abusivo que viveu. O trecho é ótimo para o entendimento do ciclo de violência, como mostra o dialogo entre Lily e sua mãe na pagina 186:


(Lily) — Às vezes... quando estou com muita saudade... digo a mim mesma que talvez as coisas não tenham sido tão ruins. Talvez eu pudesse suportar os piores momentos só para poder ficar com ele nos melhores momentos. Ela põe a mão em cima da minha e a acaricia com o polegar. — Entendo exatamente o que está dizendo, Lily. Mas não perca seu limite de vista. Por favor, não deixe isso acontecer. Não faço ideia do que ela quis dizer. Quando percebe que estou confusa, aperta meu braço e explica com mais detalhes: — Todos temos nossos limites, o que estamos dispostos a aguentar antes de arrebentarmos. Quando me casei com seu pai, eu sabia exatamente qual era meu limite. Mas aos poucos... a cada incidente... meu limite foi aumentando mais um pouco. E mais um pouco. Na primeira vez que seu pai me bateu, ele se arrependeu na mesma hora. Jurou que nunca mais aconteceria. Na segunda vez, ele ficou ainda mais arrependido. Na terceira, foi mais que um golpe. Foi uma surra. E eu sempre voltava para ele. Mas, na quarta vez, foi só um tapa. E, quando isso aconteceu, fiquei aliviada. Lembro que pensei “pelo menos ele não me bateu desta vez, não foi tão ruim”.

Esse ciclo é descrito com detalhes pela mãe de Lily, que revela como, ao longo do tempo, ela foi permitindo que os abusos aumentassem sem se dar conta de como isso a afetava psicologicamente. No início, a primeira agressão foi seguida de arrependimento e promessas de mudança. A segunda agressão, igualmente seguida de arrependimento. Mas, com o tempo, a violência foi ficando cada vez mais banalizada, a ponto de a mãe de Lily se sentir aliviada por um simples tapa, o que é um reflexo devastador de como o abuso pode corroer a percepção da vítima sobre o que é normal e aceitável em um relacionamento.

Essa cena é, para mim, a essência de como a violência doméstica é muitas vezes entendida pelas vítimas: como um fenômeno gradual e muitas vezes disfarçado de amor. As promessas de mudança, o arrependimento temporário do agressor, e os momentos em que ele parece "ser outra pessoa", fazem com que a vítima se iluda e pense que vale a pena suportar os abusos, na esperança de que as coisas vão melhorar. No contexto do livro, esse é um dos momentos em que Colleen Hoover oferece ao leitor uma visão clara do que significa viver em uma relação abusiva e como isso afeta profundamente o senso de identidade e de valor de uma pessoa. É um dos diálogos mais impactantes e, ao mesmo tempo, mais trágicos, pois revela como, muitas vezes, a única coisa que as vítimas de violência doméstica sabem fazer é continuar, ignorando seus limites e sacrificando sua própria integridade emocional.


No filme, a omissão desse diálogo foi uma grande falha, pois ele traz uma compreensão profunda do que se passa na mente de alguém que está vivendo abuso. Sem ele, o espectador pode não conseguir perceber a complexidade emocional e psicológica que envolve a decisão de deixar um relacionamento abusivo, ou o sofrimento da vítima ao tentar fazer isso.



Conclusão


É Assim Que Acaba é uma obra que oferece muito mais do que um simples romance. Ela traz à tona discussões importantes sobre violência doméstica, abuso psicológico e a complexidade dos sentimentos envolvidos em um relacionamento abusivo. O livro, com sua narrativa em primeira pessoa, oferece uma visão íntima e dolorosa das contradições emocionais de quem vive essa realidade, funcionando como uma ferramenta de identificação e reflexão, especialmente para mulheres que estão ou já estiveram em situações semelhantes.


O filme, embora seja uma boa opção para quem tem dificuldade com a leitura, não consegue transmitir com a mesma intensidade as complexidades da obra original. Ele diminui a gravidade da violência, romantiza o abusador e oferece uma narrativa mais superficial. Por isso, como profissional, minha recomendação é que o livro seja lido e discutido em contexto terapêutico, enquanto o filme pode servir como uma introdução para quem preferir um formato mais acessível.


A reflexão que fica é que, embora histórias como a de É Assim Que Acaba ajudem a criar consciência sobre a violência doméstica, é fundamental que as vítimas tenham o apoio necessário para entender o que realmente estão vivendo, romper com o ciclo de abuso e encontrar um caminho de liberdade.

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